
O confronto com o árbitro e a torcida
Em Nova York, nada é discreto. Nem o barulho da arquibancada, nem a reação de Djokovic. No duelo de quartas de final do US Open 2025 contra o norte-americano Taylor Fritz, o sérvio interrompeu o jogo em mais de um momento para cobrar do árbitro de cadeira um controle maior do público, que seguia vibrando e falando entre os pontos. O clima, típico das sessões noturnas no Arthur Ashe Stadium, ganhou um peso extra por envolver um adversário da casa.
Segundo relatos do próprio evento e das imagens exibidas, a reclamação girou em torno de gritos e ruídos no momento do saque e na preparação dos pontos. Djokovic pediu silêncio antes do toss e gesticulou para o árbitro reforçar a regra básica do tênis: barulho faz parte, mas não durante a execução do ponto. A arbitragem interveio, fez pedidos ao público, mas o ruído seguiu como pano de fundo do confronto.
Após a partida, na entrevista em quadra, o sérvio voltou ao tema. Evitou esticar a polêmica, mas deixou claro que o ruído constante exige ajustes de concentração e ritmo. Para um jogador que constrói pontos milimetricamente, qualquer distração muda o tempo do golpe, a leitura da devolução e o posicionamento. Ainda mais contra Fritz, que serve pesado, busca a primeira bola e joga com a energia da torcida.
Nova York tem suas próprias regras não escritas. A torcida participa, grita entre pontos, vive o jogo. O US Open aproveita essa atmosfera para criar um produto diferente de Wimbledon e Roland Garros. Só que a linha entre empolgação e interferência é fina. Quando o barulho entra na execução do ponto, vira tema de arbitragem. E, no tênis, isso pode decidir um break, um set, um jogo.
Vale lembrar que Fritz está acostumado a esse ambiente e tende a se alimentar da vibração local. Para quem enfrenta o norte-americano no Ashe, a sensação é de estar sempre lidando com uma bola extra: a pressão do público. Djokovic conhece esse roteiro. Já viveu apoios divididos em Nova York, vaias, aplausos e reviravoltas. Não foi diferente desta vez.

Forma física, cabeça e os limites do barulho
Outro ponto que reapareceu nos bastidores foi a conversa sobre a forma do sérvio. Aos 38 anos, ele precisa escolher calendário, recuperar mais entre partidas e entender melhor quando arriscar e quando segurar. Em temporadas recentes, oscilou em sensações físicas ao longo de torneios longos, algo natural com a idade e a carga de jogos. Em partidas duras, qualquer incômodo ou cansaço potencializa a irritação com fatores externos.
Esse é o cenário que ajuda a explicar por que barulho e frustração acabam virando uma coisa só. Se o corpo não responde 100% em determinados dias, a tolerância ao que foge do controle cai. É humano. E no tênis, ao contrário de esportes coletivos, o jogador não tem para onde correr: cada ponto é um duelo psicológico, e a arquibancada vira parte da equação.
Do lado da arbitragem, há um manual claro. O árbitro pode pedir silêncio, advertir setores específicos, esperar o fim do ruído para autorizar o saque e até interromper o ponto em caso de interferência evidente. Na prática, é um equilíbrio difícil: não dá para transformar o Ashe em biblioteca. O que se pede é respeito no “ready, play” e na preparação do golpe.
O US Open, aliás, vem há anos calibrando esse ambiente. As mensagens no telão reforçam “quiet please” antes do saque, os seguranças localizam focos de tumulto, e os juízes de linha sinalizam quando o barulho passa do ponto. Mesmo assim, a energia do estádio escapa por frestas. É parte da marca do torneio, e parte do desafio mental de quem quer erguer o troféu em Nova York.
Na quadra, o duelo com Fritz tem um roteiro conhecido: saque pesado do americano, troca curta quando ele encaixa a primeira bola e paciência do sérvio para alongar rallies, variar alturas e ângulos e quebrar o ritmo. Qualquer ruído no toss de um ou na preparação do outro bagunça esse tabuleiro. Daí a importância da conversa com o árbitro. Não é cena apenas por cena. É gestão de risco.
Dentro do vestiário, a equipe do sérvio deve ter trabalhado dois focos: ajuste tático e proteção mental. Ajuste tático para devolver mais profundo e tirar o forehand de Fritz da zona de conforto. Proteção mental para aceitar o barulho de fundo, filtrar o que dá para filtrar e não desperdiçar energia em batalhas perdidas. Jogadores experientes escolhem suas guerras. E, muitas vezes, basta mostrar ao árbitro — e à torcida — que há um limite para que o jogo se mantenha leal.
Para o torneio, episódios assim são um lembrete. A experiência “US Open” funciona porque a torcida participa, mas ela precisa participar do jeito certo. A organização sabe que grandes nomes, como Djokovic, atraem público e audiência. Também sabe que ambientes hostis podem virar manchete pelos motivos errados. O ponto de equilíbrio está em reforçar educação no estádio, treinar melhor a comunicação da arbitragem e, quando necessário, parar o jogo por alguns segundos até que o silêncio mínimo retorne.
E tem o lado esportivo, claro. Em reta final de Grand Slam, concentração é tudo. Se o sérvio sente que não está no auge físico, a margem para erro diminui. Cada saque do americano vira um pequeno match point em ritmo de playoff. Cada game de serviço pede primeiro saque, primeiro golpe limpo e cabeça no lugar. No miolo do jogo, a torcida percebe o drama e aumenta o volume. É aí que veteranos fazem diferença: rotina entre pontos, respiração, rituais simples para retomar o foco.
O caso reacende também uma discussão antiga: até onde vai o papel da torcida no tênis? Em Nova York, a resposta nunca será “silêncio absoluto”. Mas há consenso entre jogadores e árbitros de que gritos durante o golpe não cabem. É uma linha que, quando respeitada, mantém o espírito do US Open intacto sem virar ruído no placar. E quando não é respeitada, a intervenção precisa ser rápida e visível. Ajuda a quadra, ajuda a TV e, no fim, ajuda o espetáculo.
Do lado de Fritz, há méritos. Enfrentar o sérvio em um palco desses exige coragem para seguir o plano, mesmo quando a pressão aumenta. Para ele, o público é combustível. Para o rival, obstáculo. Esse jogo emocional faz parte da graça do esporte. E quando um número 1 ou 2 do mundo — ou alguém que já dominou a década — pede ordem, ele não está pedindo vantagem. Está pedindo que a disputa seja decidida pela bola.
O torneio segue, e com ele o debate. Djokovic vai tentar transformar a irritação em combustível, como já fez em outras campanhas de Slam. Fritz vai tentar usar a energia da casa sem cruzar a linha do ruído indevido. A arbitragem, por sua vez, terá de se antecipar ao caos de arquibancada. Se esse triângulo se ajeitar, quem ganha é o tênis. Em Nova York, isso é mais difícil do que parece. Mas é possível.
Para os próximos jogos, alguns pontos devem guiar o ambiente no Ashe:
- Árbitros mais proativos em pedir silêncio antes do saque.
- Mensagens claras à torcida sobre quando vibrar e quando segurar a voz.
- Jogadores alinhados com a arbitragem para evitar discussões repetidas.
- Seguranças atentos a focos específicos de perturbação, não ao estádio inteiro.
No fim do dia, todos querem a mesma coisa: um jogo intenso, barulhento na hora certa e silencioso na fração de segundo que decide um winner ou uma quebra de saque. É essa coreografia que faz o US Open ser único — e também tão difícil de dominar.
Maria Cardoso
Trabalho como jornalista de notícias e adoro escrever sobre os temas do dia a dia no Brasil. Minha paixão é informar e envolver-me com os leitores através de histórias relevantes e impactantes.
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